Eram na época 4 anos de sociedade, quase 10 anos de amizade, estávamos ambas em momentos de mudanças e decisões. Nosso contato e convivência eram tamanhos que faziam nossos maridos brincarem que eles eram os “amantes” e nós o verdadeiro casal. Ríamos da brincadeira e pensávamos em silencio na quantidade de coisas que já havíamos passado juntas, chega suspirávamos. Tudo corria “bem”, isto é, tudo corria como sempre foi, tínhamos discussões, opiniões diferentes, mas estávamos, no geral, em “harmonia”.
O uso de aspas nas palavras “bem” e “harmonia” são pontos chave dessa história. Trabalhávamos com desenvolvimento humano, com as mais lindas práticas de centramento e autodesenvolvimento, então fazia parte de nossa rotina querer e fazer o máximo para manter uma boa relação.
Tanto queríamos manter tudo em harmonia que nos últimos anos deixamos de falar muitas palavras, estávamos cheias de conversas internas e o que saia para fora era algo já mastigado e “resolvido” internamente, era apenas aquilo que achávamos que realmente importava trazer.
O restante era tão simples, tão pequeno, não parecia haver necessidade alguma de ser compartilhado. Estávamos convencidas de que nossas conversas internas já faziam o seu papel e que o bem-estar da relação era muito mais importante do que uma coisinha ou outra que nos havia incomodado. Seguimos assim por anos.
Em nossas cabeças estávamos super alinhadas na nossa habilidade de comunicação, éramos sinceras uma com a outra, tínhamos alguns conflitos, era uma relação “saudável”. Pelo menos era isso que queríamos nos fazer acreditar... Até que começamos a perceber que algo não estava bem. Tínhamos menos paciência a cada dia que passava, e mais cuidado precisava ser usado para falar um ou outro assunto com a outra. As palavras não ditas foram ficando cada vez maiores que as ditas e fomos nos afastando. A amizade já havia sido engolida pelos problemas e pela distância, sabíamos que havia algo errado, que nossa relação não estava indo bem, mas isso apenas nos fazia ser ainda mais cautelosas e distantes.
Foi em meio à essa intensidade e tentativas de conversas difíceis que fomos, motivadas pelo nosso trabalho, participar de uma imersão em Comunicação Não-Violenta. Já conhecíamos a prática superficialmente, e sabíamos que era interessante, por isso nos unimos à outras pessoas que estavam nessa busca para trazer o nosso primeiro treinador certificado pelo CNVC, o querido Marc Avanzo, mas não imaginávamos a transformação que viveríamos em nossa relação nesses dias intensos.
A verdade é que ambas estavam machucadas... Carregávamos rótulos e julgamentos de nós mesmas e uma sobre a outra. O bolo já estava ficando pesado e naquele momento sentíamos uma distancia nunca antes sentida (e olha que já moramos em hemisférios diferentes do planeta). Talvez o ponto critico seja esse, a apatia, o momento em que parecíamos ter tentado tanto que havíamos desistido internamente.
A CNV (Comunicação Não-Violenta) propõe um caminho de aprendizagem que nos convida a olhar primeiro para nossas conversas internas, nossas emoções e nossas necessidades para, a partir daí, seguirmos para uma conversa com o outro.
Ao iniciarmos nossa imersão em CNV conhecemos nosso furacão interno. Aquilo que estávamos sentindo e sendo remoído internamente foi para a superfície e só então foi possível ver o que havíamos feito conosco. Entramos no modo caos! Com a ajuda de uma linda mediação baseada em CNV, começamos a nos abrir, dissemos coisas dolorosas, ainda de forma violenta, mas já não tínhamos tanto receio de quebrar a harmonia, pois percebemos que ela já não estava mais lá na verdade...
Era estranho escutar uma da outra, coisas que nem imaginávamos estar acontecendo. Chegou um ponto onde não reconhecíamos mais a pessoa a nossa frente. “Por que ela nunca me disse isso?” “Será que ela está questionando minha intenção?” “O que faz ela pensar que eu poderia agir assim?”...
Confiando no método, seguimos o caminho da CNV e nos abrimos para a possibilidade de ver a humanidade de cada uma ali.
Começamos a aceitar o convite para a empatia, buscar escutar além das palavras do outra, tentar conectar com as nossas necessidades humanas compartilhadas, reconectar com a intenção daquela sociedade e com a pureza das intenções de cada uma.
Ambas tentávamos exercitar essa escuta internamente e com a outra, ainda doía. Não foi fácil. Era uma mudança tão grande na nossa forma de comunicar que nos fazia desafiar não só os julgamentos direcionados à outra mas também aos julgamentos que tínhamos de nós mesmas. Passamos pela raiva, culpa, vergonha, medo e fomos percebendo que estávamos tão distantes de nossas verdadeiras necessidades que precisávamos de tempo para decantar, fomos reconhecendo que ainda estávamos aprendendo.
O ponto da virada chegou mais para frente quando escutamos o convite amoroso da CNV de sermos responsáveis pelas nossas próprias necessidades. Percebemos não só que nossas necessidades eram muitas, mas que a expectativa era enorme de que a outra atendesse à todas elas. Fomos reconhecendo uma relação de carência, onde uma esperava que a outra soubesse e fizesse o possível para resolver todos os nossos problemas, mesmo sem termos clareza sobre quais eram eles.
Clareza foi a palavra que descobrimos nesse momento, que nos trouxe tanta luz assim como a palavra mesmo traz. Começamos a entender a importância de termos clareza do que precisávamos e ainda conseguir comunicar essa necessidade à outra que nos acompanhava em tantos momentos e assuntos de vida. Fomos reconhecendo a necessidade de conectar com o que realmente nos importa e abrindo a possibilidade de ouvir o que realmente importa para a outra, sem a intenção de ceder, mas com a intenção de cuidar.
Foi um resgate da lembrança da abundância que nos envolvia e da gratidão de estarmos juntas, um novo aprendizado para a possibilidade de co-criar, cada uma buscando acrescentar para a outra e preservando também o que é importante para si.
Hoje nos percebemos mais sinceras e à vontade de expressarmos nossa verdade. Escutamos com mais facilidade feedbacks difíceis e buscamos ter cuidado com nossas palavras de uma outra maneira, sempre investigando internamente, a partir da curiosidade, abrindo espaço para escutar, aprender e rever nossos julgamentos, tudo isso preservando a autenticidade.
Nossa sociedade cresceu, somos agora quatro mulheres e cada dia aprendemos uma com a outra. Continua sendo desafiador, são opiniões e personalidades diferentes, mas o desafio é humano e nossas reuniões e conversas são cada vez mais honestas, empáticas e autênticas.
A CNV segue como uma prática diária, um lembrete de ser gentil em nossos julgamentos, sinceras com nossos sentimentos e protagonistas de nossas necessidades.
É a prática contínua que nos traz a sensação de que está tudo bem e em harmonia. Agora sem aspas.
Autoras: Nolah Lima e Liliane Sant'Anna
Fica nosso convite de coração, busque aprender novas formas de se comunicar com seus sócios e sócias, no Instituto CNV Brasil fazemos cursos para empresas, coaching individual e mediações relacionais. Mas não só nós fazemos esse trabalho lindo, há sempre outras alterativas. Vale investir este tempo em vocês e economizar muito tempo lá na frente, e quem sabe manter uma relação como aconteceu conosco.
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