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O sistema é racista - e precisamos falar sobre isso

O sistema é racista


Quando falamos de preconceito, imediatamente tocamos na vontade que sentimos de não sermos reconhecidos como preconceituosos. É natural querermos ser vistos pela nossa humanidade e boas intenções. Infelizmente o sistema no qual estamos inseridos já é tocado, de forma invisível, por visões tendenciosas de mundo, em vários aspectos. Pense que para um país com mais de 50% da população preta, não haver bonecos de cor de pele escura nas lojas de brinquedo parece algo incoerente. Ou ainda, para essa mesma população termos no Congresso Nacional menos de 20% de pessoas pretas parece um tanto desconexo.

Esses dados mostram como o sistema nos induz a dar mais autoridade a homens brancos e a achar “normal” que a maioria esmagadora das pessoas presas do país, por exemplo, sejam pretas.

Pense assim:


Nosso cérebro funciona com generalizações. Quando 90% das pessoas que você vê falando sobre coisas que você considera importantes são homens brancos, a probabilidade de você procurar por eles quando você estiver em uma sala diversa é grande, afinal o seu cérebro quer lhe ajudar a cortar caminhos e ter resultados mais rápido, com o menor gasto de energia possível.


É essa compreensão que nos faz entender por que muitos de nós atravessamos a rua ao vermos um homem preto caminhando em nossa direção, mas tendemos a não fazer o mesmo com um branco.

Um dado, de minha infância, que pode elucidar ainda mais esse tema é do colégio particular em que estudei toda a vida: a representatividade de pessoas de pele escura era tão ínfima, que havia apelidos para alguns meninos que se referiam ao seu tom de pele: “Azul” e “Chocolate”. As meninas pretas, por sua vez, nem vistas eram.


O impacto vai muito além da desvantagem individual


Veja, uma pessoa preta que tem um conhecido preto espancado por policiais por “engano”, confundido com o ladrão de uma loja, não terá a oportunidade de confiar na polícia como uma pessoa branca confia. Ainda mais pensando que essas são situações recorrentes e não são apenas casos isolados. Ao saber disso, as pessoas de pele preta perdem automaticamente um conforto e segurança estrutural que as pessoas de pele branca possuem: um alívio ao saber que a polícia está por perto. São o conjunto dessas desvantagens estruturais que constroem o descolamento do lugar de partida para a vida de pessoas de cores de pele diferentes.


Os casos recém acontecidos no Brasil e nos EUA nos mostram essa diferença estrutural.


Um jovem preto morre de bala perdida na favela. Um homem preto é morto por um policial por “engano”. Uma criança preta é mandada desacompanhada atrás da mãe e cai de um prédio. Todos esses acontecimentos evidenciam desequilíbrios estruturais que precisam ser nomeados.

Quem sofre o preconceito não é o responsável por ensinar a mudá-lo


A tendência de uma pessoa branca, ao dar-se conta de todo esse impacto, é perguntar à pessoa de pele preta o que ela pode fazer para reparar os danos. Porém, mesmo com muita compaixão pela dor de visualizar os impactos que estão vivos, cabe a quem tem mais recursos estruturais apoiar quem tem menos por hoje. São as pessoas de pele branca que precisam se mover para encontrar estratégias para as necessidades de empatia, aceitação, equidade, justiça, dentre tantas outras que estão vivas, para esse enorme grupo de pessoas.

O papel de quem possui a vantagem é abrir espaço para quem não possui.

Por mais que ainda estejamos vivendo o fim da era da meritocracia, já sabemos que podemos seguir para um nível de consciência que engloba as luzes desse olhar, mas que transcendem a individualidade como resposta ao êxito. O pensamento de que “cada um constrói o seu próprio caminho” já não está dando certo há algum tempo (ou nunca deu). As diferenças sociais respigam em toda a sociedade e temos colhido os impactos disso de maneira dolorosa.


É nesse lugar de desafio que encontramos práticas potentes para desenhar o caminho de qualidade para o ajuste de rumo que precisamos. A Comunicação Não-Violenta, por exemplo, vem como apoio para que possamos reconhecer os fatos. Porém, para vivê-la em coerência com a sua intenção de transformação dos sistemas que reforçam privilégios e poder centralizados, precisamos estar conscientes do lugar de onde partimos juntos e conversar sobre as necessidades de todos, sem que haja imagens de vilões, heróis ou coitados, mas muito atentos aos impactos e responsabilidades de todos na dimensão social.


A proposta da CNV abre espaço para escutarmos a dor que está latente no mundo, trazendo concretamente formas de se conversar que aumentem a probabilidade de compreensão, colaboração e florescimento de novos caminhos.

É a construção de recursos internos para escutar a dor que podem fazer com que anos de conflito comecem a ser sanados.


Mas veja, a bonita proposta da CNV, se focada apenas nas necessidades humanas universais, sem considerar as diferenças do lugar de partida (história de vida) de cada um e de cada grupo, apenas reforça os sistemas que reforçam desigualdades e injustiças. Então, para retomarmos o lugar inicial da CNV, da proposta de profunda transformação social e conexão com a vida humana, precisamos reconhecer os impactos desse sistema e conversar abertamente sobre eles.


Há uma dívida


Herdamos uma dinâmica social que divide a população em dois grandes grupos: Brancos ricos e Pretos pobres (com poucas exceções). Existe uma barreira invisível atrelada à cor da pele que faz com que isso não mude naturalmente. Uma pessoa preta que possui as mesmas condições e oportunidades que uma pessoa branca precisa redobrar, triplicar, o seu esforço para conseguir talvez o mesmo retorno social (algo que acontece com mulheres, com pessoas com diferentes características físicas, e tantos outros recortes sociais, porém esse é assunto para outro momento).


É sobre essa dívida que estamos conversando, quando falamos sobre sistemas de cotas, sobre sistemas assistenciais e outros. A dinâmica que instaurou a prática de escravizar pessoas deixou uma dívida de brancos para pretos que nos alerta para essas diferenças gigantes.


Quaisquer tentativas de acertar essa dívida são estratégias que buscam justiça, equilíbrio, reconhecimento e equidade para o povo preto do país.

Por isso a grande busca por termos mais pessoas de pele não branca nas lideranças de empresas, em grandes cargos executivos e em todos os nossos setores do Brasil. Para promover a justiça precisamos nos nutrir de ferramentas que reparem esse abismo e façam com que pessoas de pele preta usufruam das mesmas oportunidades, sem que haja influência da sua cor de pele.


Um lugar de fala


Sou branca, privilegiada em muitos domínios da vida e me lembro, com memórias vivas, da minha incompreensão do sistema de cotas ao entrar na universidade. Não foi apenas uma conversa que me fez abrir os olhos para quão pequena era a minha visão sobre a complexidade do sistema que estamos inseridos. Hoje, quase 15 anos depois, sigo aprendendo nuances e detalhes sobre o racismo estrutural, sistêmico e individual em que vivemos e aqui compartilho alguns de meus aprendizados.


Por mais que a minha vontade seja de falar que tenho uma compreensão sobre esse tema, continuo olhando para ele desde um lugar de compreensão cognitiva. Nunca senti na pele os reais impactos do racismo e, por isso, é desde esse lugar que falo. Entender que o lugar de fala é uma importante variável é um passo potente para não elitizarmos a discussão racial e deixarmos de ouvir as vozes que estão aí, há muito, gritando com todos as dores que tem para compartilhar. Meu lugar de fala hoje se sustenta a partir de abrir em mim o maior espaço de escuta que consigo e um convite para que outros façam o mesmo, que escutemos, todos àqueles que estão tentando expressar a suas dores a tanto tempo.


Se você gostou desse texto, que maravilha! Peço que compartilhe essa reflexão aberta, para abrirmos mais conversas corajosas com quem está ao nosso redor, e também, pricipalmente, que ativamente busquem textos de pessoas pretas, pessoas não-brancas, que fale sobre o mesmo assunto e compartilhe para já começarmos a fazer o que acreditamos.


 

Aqui vão conteúdos que enriquecem essa discussão, feitos por pessoas pretas:


Djamila Ribeiro falando sobre privilégios e lugar de fala: https://www.youtube.com/watch?v=AINEmjM4Ki4






Nota de repúdio do porta dos fundos: https://youtu.be/HiBUuOXqBYM


A África, o Brasil, a Geografia e a Educação - Rafael Sanzio TEDxUFF: https://www.youtube.com/watch?v=-cbuCFNfsMw&t=189s


Mas ouvir pessoas pretas falando sobre o racismo é apenas um primeiro passo. Já pensou em divulgar e incentivar o trabalho incrível de pessoas pretas que admira? Aqui vão alguns poucos (gostaríamos de fazer uma lista de muitas páginas) dos que seguimos e admiramos:

Treinadora Certificada em CNV pelo CNVC Roxy Manning: http://www.roxannemanning.com/ Cantora e compositora Luedji Luna: https://www.youtube.com/watch?v=V-G7LC6QzTA


Psicóloga e facilitadora em CNV Silvia Silva: https://www.instagram.com/silviasilvapsicologa/?igshid=1evnsqfl6mf07







Apresentadora, youtuber e empreendedora Ana Paula Xongani: https://www.youtube.com/watch?v=Q011H8BIPKg


Publicitário, youtuber e apresentador Spartakus: https://www.instagram.com/spartakus/?igshid=z0o03ud15y96



Cientista social, Youtuber e agente do futuro Neggata: https://www.instagram.com/neggata/?igshid=qqfwrw5t4pmd


Professor Dr. em História Comparada e Babalawo Ivanir dos Santos: https://www.instagram.com/babalawoivanirdossantos


Advogado, Filósofo e Professor Silvio Almeida: https://www.instagram.com/silviovlq


Pesquisadora e mestra em Filosofia Política Djamila Ribeiro - https://www.instagram.com/djamilaribeiro1/


Escritora e comunicadora Ana Paula Lisboa: https://www.instagram.com/aplisboa/


Educadora, Artista Plástica e política Erika Malunguinho: https://www.instagram.com/ericamalunguinho/


Romancista, Poeta e empreendedor Ferréz: https://www.instagram.com/ferrezoficial/



Cantora e compositora Xênia França: https://www.youtube.com/watch?v=Xi9H-NB5MMI


Cantora e Compositora Bia Ferreira: https://www.instagram.com/ferreirabiaoficial/


 

Autora do texto: Liliane Sant'Anna

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